quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Sobre grupos como Fresno, Restart, Cine etc.

A organização do homem em sociedade promove o que se pode chamar de identidades coletivas. Essas identidades constituem, não a unificação, mas a semelhança em termos culturais, de determinado grupo. Uma representação clara desse fenômeno é a formação das chamadas “tribos urbanas”, grupos predominantemente jovens que costumam marcar época. É por conta dessas tribos que podemos caracterizar trajes e estilos musicais – os anos 1960 ou 1970, por exemplo.

A música é, talvez, o mais importante fator desencadeador da formação de uma tribo. Entretanto, esses grupos costumam formar também uma consciência mútua e expressá-la de formas diferentes a cada época. Desde o surgimento da indústria midiática, a formação de tribos é fenômeno comum e facilmente perceptível, por atingir a população de forma rápida e massiva.

E, como qualquer fenômeno social, é passível de críticas. Há, por exemplo, desavenças entre as jovens tribos e os jovens amantes da chamada “boa música” – clássicos do rock, jazz, MPB, dentre outros. Críticas insistentes, e mesmo o menosprezo, são os ingredientes básicos aqui. Os ataques se estendem ainda a moda, atitudes e modos da tribo em questão.

A princípio, vejo um saudosismo ilusório nessa crítica. O passado é quase sempre tido como exemplo de qualidade e o presente é desqualificado. Vale lembrar, todavia, que estamos lidando com a indústria fonográfica. Logo, tudo o que chega aos nossos olhos e ouvidos já passou por milhares de filtros que, quase sempre, são movidos por fins comerciais.

Acontece que desde que a mídia é mídia é assim. Hoje temos, por exemplo, acesso ao excelente trabalho dos pró-democracia - Chico Buarque, Gilberto Gil e exilados afins. A visão que acabamos por formar é a de que, na época, o rádio era constituído basicamente de gênios da MPB. Na verdade, o pop sempre o dominou, com direito a Rita Cadillac no topo das paradas de sucesso (nada contra Rita, deixo claro). Se o acesso que temos hoje é limitado, mesmo com o advento da internet, em uma época de repressão política - e, consequentemente, cultural – não era de se esperar que fosse diferente.

Além do típico preconceito com a música pop, a dissociação quase mosaica que construímos do mundo e a dificuldade que temos de identificar movimentos histórico-culturais em tempo real também são fatores importantes nessa discussão. Relacionar aspectos políticos, sociais, artísticos, etc. não costuma ser uma ação automática. Entretanto, se olharmos para o passado, fica mais fácil perceber como a música dos Beatles, a moda hippie e a pílula anticoncepcional estão interligados. Os movimentos atuais, ao contrário, só virão a ser autenticados quando apresentarem resultados concretos, no tempo.

Se cremos numa sociedade evolutiva, temos de crer que as tribos que se formam influenciam o mundo, tanto quanto o mundo as influencia. Ou seja, o movimento hippie, o punk e todos os outros são marcados por determinados nomes, meramente porque estavam lá naquele momento histórico. Particularmente, arrisco dizer que, não fossem estes, seriam outros, mas aconteceria da mesma forma.

O próprio andamento da sociedade cria seus movimentos, clama por uma nova moda, uma nova música, uma nova visão, na medida em que são necessárias, cada uma a seu tempo. Logo, cada época teve exatamente a tribo que lhe era necessária. Admirar transformações sociais promovidas por tribos antigas não pode significar fechar os olhos para as micro-revoluções de hoje, como se o nosso poder de modificar a sociedade estivesse estagnado no passado.

Admiramos tanto as músicas do passado, mas nos esquecemos do que elas nos disseram. Let it be.


Nota: Deixo aqui meu agradecimento ao amigo Jeferson Nunes que me ajudou com sua revisão e correção do texto.

3 comentários:

  1. "acesso que temos hoje é limitado, mesmo com o advento da internet"...concordo plenamente com seu texto,muito bem argumentado e de facil entendimento..parabens!..ate breve

    ResponderExcluir
  2. Muito interessante o texto, traz à tona algo que tem me intrigado ultimamente, uma certa apologia a td que é retrô, com grande dose de nostalgia, manifestada especialmente por jovens, que não viveram naquela determinada época. Penso que é importante valorizar os elementos que marcaram determinada época, porém não podemos perder de vista que os fatos atuais escrevem a história do amanhã. Parabéns pelas colocações. Bjsss

    ResponderExcluir
  3. A música analisada no passado é uma coisa, no presente é outra, e na tendência (futura) outra ainda... Adorei o pensamento, Paula!

    ResponderExcluir