O setor em que trabalho dentro da Secretaria de Cultura é a Gerência de Patrimônio Histórico. Também Museu de História e Arte. Por conta disso nos aparecem relíquias pelo caminho que possibilitam as mais diversas interpretações e sentimentos, sendo apenas impossíveis de não serem notadas. Hoje eu e uma colega de trabalho mexemos em Títulos de Eleitor que foram tirados na década de 1960/1970. Lá estavam eles, velhos e rasgados, trazendo os mais diversos nomes, nacionalidades, filiações e rostos em fotos preto & branco 3x4 até nós.
O objetivo era meramente uma restauração nos documentos, mas o momento foi acompanhado de incontáveis comentários. Desde um mero julgamento sobre quem era bonito ou se vestia bem até milhares de suposições sobre suas vidas. Quem parecia inteligente, que tipo de música ouviam, suas personalidades – avaliadas por um mero segundo que a câmera registrou - os possíveis amigos, casais e rivais. Imediatamente estávamos envolvidas com aquelas pessoas que nunca chegamos a conhecer e de quem não tínhamos informação alguma que não as dadas por um documento antigo.
O episódio é só um exemplo. O fato é que passando por esse tipo de situação o mundo todo parece uma brincadeira de “Ligue os Pontos”, na qual todos nós estamos por um motivo ou outro conectados. Por mais que vivamos em espaços ou mesmo tempos diferentes, há algo de nós que passará por outro ser humano e, naquele momento, estaremos unidos. Não importa o quão anônimos parecemos, existe um outro anônimo que irá nos encontrar.
Acredito que esses encontros silenciosos acontecem o tempo inteiro, nesses rastros que deixamos pelo nosso caminho. Documentos, fotos ou objetos que perdemos pelo caminho nos ligam imediatamente a outra pessoa que pegá-los nas mãos. Quando um mexicano e um chinês, por ventura, tropeçarem voltando para casa, exatamente no mesmo momento, mas em fusos horários diferentes, estão unidos em silêncio e anonimamente.
Parece haver uma energia ativa no universo agindo de forma independente de nós, cruzando nossas vidas o tempo todo, possibilitando contato com todos os bilhões de habitantes do mundo, das formas mais bruscas – como o esbarrão que você deu ontem na rua – ou sutis – como o terço que encontrou jogado na calçada – imagináveis. Sendo assim todos os anônimos da humanidade cruzam nosso caminho tanto quanto – ou mais – que os grandes nomes que aprendemos na escola, independente da época em que nasceram ou do lugar do mundo em que se encontram.
No fim das contas estamos todos de braços dados.